AUTOR DO MÊS

Novembro de 2011




Nome completo - MATILDE ROSA LOPES DE ARAÚJO

Nasceu - Lisboa, 20 de junho de 1921
Faleceu - Lisboa, 6 de julho de 2010
Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Foi professora do Ensino Técnico Profissional em Lisboa e noutras cidades do País, assim como professora do primeiro Curso de Literatura para a Infância, que teve lugar na Escola do Magistério Primário de Lisboa.
Exerceu a sua atividade profissional, como professora, na cidade do Porto.  
Autora de mais de 40 livros de contos e poesia para adultos e de mais de duas dezenas de livros de contos e poesia para crianças, a sua temática centra-se em torno de três grandes eixos de orientação: a infância dourada, a infância agredida e a infância como projeto.  
É autora de alguns volumes sobre a importância da infância na criação literária para adultos, sobre a importância da Literatura Infanto-Juvenil na formação da criança e sobre a educação do sentimento poético como mais valia pedagógica.


PRÉMIOS
 No domínio de Literatura para a Infância recebeu os seguintes prémios:
î 1980 - Grande Prémio de Literatura para Crianças, da Fundação Calouste Gulbenkian;
î 1991 - Prémio atribuído pela primeira vez, para o melhor livro estrangeiro (novela O Palhaço Verde), pela associação Paulista de Críticos de Arte de São Paulo, Brasil;
î 1996 - Prémio para o melhor livro para a Infância publicado no biénio 1994-1995, pelo livro de poemas Fadas Verdes, atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian;
î 2004 - Foi distinguida com o Prémio Carreira, da Sociedade Portuguesa de Autores.
î Matilde Rosa Araújo recebeu o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.

  
Bibliografia
(Títulos /Editora)
Ü O Livro da Tila – poemas para crianças, 10ª edição, Livros Horizonte, 1986;
Ü O Palhaço Verde – novela infantil, 5ª edição, Livros Horizonte, 1984 (ilustrações de Maria Keil); 
Ü História de um Rapaz – conto infantil, 8ª edição, Livros Horizonte, 1986 (ilustrações de Maria Keil); 
Ü O Cantar da Tila – poemas para a juventude, 8ª edição, Livros Horizonte, 1986 (ilustrações de Maria Keil); 
Ü O Sol e o Menino dos Pés Frios – contos, 7ª edição, Livros Horizonte, 1986; 
Ü O Reino das Sete Pontas – novela infantil, 2ª edição, Livros Horizonte, 1986 (ilustrações de Manuela Bacelar); 
Ü Os Quatro Irmãos – 2ª edição, Livros Horizonte, 1983 (ilustrações de Ana Leão); 
Ü História de uma Flor – conto infantil, 1ª edição, Faoj; O Sol Livro – textos para o ensino, 1ª edição, Livros Horizonte, 1976; 
Ü Os Direitos da Criança - Livros Horizonte – 1ª edição, Unicef, 1977; 
Ü O Gato Dourado – contos infantis, 3ª edição, Livros Horizonte, 1985 (ilustrações de Maria Keil); 
Ü As Botas de Meu Pai – contos infantis, 2ª edição, Livros Horizonte, 1981 (ilustrações de Maria Keil); 
Ü Camões, Poeta Mancebo e Pobre – divulgação, 1ª edição, Prelo Editora, 1978; 
Ü Baladas das Vinte Meninas – poema infantil, Plátano Editora, 1978 (ilustrações de Cristina Malaquias); 
Ü Joana-Ana – conto infantil, Livros Horizonte, 1981 (ilustrações de Maria Keil); 
Ü A Escola do Rio Verde – 2ª edição, Livros Horizonte, 198l (ilustrações de Romeu Costa); 
Ü O Cavaleiro Sem Espada – Livros Horizonte, 1979 (ilustrações de Maria Keil); 
Ü A Velha do Bosque – Livros Horizonte, 1993 (ilustrações de Ana Leão); 
Ü A Guitarra da Boneca – Livros Horizonte, 1983 (ilustrações de Evelina Coelho); 
Ü As Crianças, Todas as Crianças – Livros Horizonte, 1976; 
Ü A Infância Lembrada – Antologia – Livros Horizonte, 1986; 
Ü A Estrada Fascinante – Livros Horizonte, 1988; Mistérios – Livros Horizonte, 1988 (ilustrações de Alice Jorge); 
Ü Rosalina Foi à Feira – Livraria Arnado, 1994 (ilustrações de Fernando Saraiva); 
Ü O Chão e a Estrela – Editora Verbo  1997 (ilustrações de Paulo Monteiro); 
Ü As Fadas Verdes – Livraria Civilização, 1994 (ilustrações de Manuela Bacelar); 
Ü A Fonte do Real, in Soares, Luísa Ducla (org.), A Antologia Diferente – De que São Feitos os Sonhos, Porto, Areal, (1986), pp. 30-32; 
Ü Voz Nua, Lisboa, Horizonte, 1986; "A menina do pinhal", in AAVV, Histórias e Canções em Quatro Estações – primavera. Lisboa. Lisboa Editora. 1988, pp. 9-24; 
Ü O Passarinho de maio, Lisboa. Horizonte, 1990; 
Ü O Chão e a Estrela, Lisboa, Verbo, 1994; 
Ü A Estrada Fascinante, Lisboa, Horizonte, 1988 (ensaio).


Escritora do mês:
Matilde Rosa Araújo
 Desafio / Atividade: 
1º - Consulta a folha com as imagens de alguns livros da escritora.
2º - Faz a correspondência da coluna B à coluna A, completando assim os títulos dos livros da escritora Matilde Rosa Araújo.
                   A                                          B
O sol e o menino
1


das sete pontas
A
O chão e a
2

cinzento
B
O palhaço
3

da Tila
C
O reino
4

e brinquedos
D
Anjos
5

dos pés frios
E
As fadas
6

estrela
F
O cantar
7

verde
G
Um olhar
8

Tila
H
O gato
9

de pijama
I
O capuchinho
10

verdes
J
As cançõezinhas da
11

dourado
L
Segredos
12

de menina
M

Nome ________________________________________________________________
Ano ______  Turma _______   Nº ______                   Data ______/______/_______ 
Setembro / Outubro de 2011

BIOGRAFIA

Nome completo - ANTÓNIO MOTA
Nasceu - Vilarelho, Ovil, concelho de Baião, distrito do Porto, em 1957
É professor do Ensino Básico desde 1975. Em 1979 publicou o seu primeiro livro: "A Aldeia das Flores".
                                                *****
Desde 1980 é solicitado a visitar escolas do ensino básico e secundário e também bibliotecas públicas em diversas localidades do País, onde tem, desta forma, contribuído para o fomento do gosto pela leitura entre crianças e jovens.

Tem colaborado em vários jornais e foi interveniente em acções realizadas por várias Escolas Superiores de Educação de Portugal.
PRÉMIOS
·       Em 1983, com a obra "O rapaz de Louredo" ganhou um prémio da Associação Portuguesa de Escritores.
·       Em 1990, com o romance "Pedro Alecrim" recebeu o Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças.
·       Em 1996, com a obra "A casa das Bengalas", ganhou o Prémio António Botto.
·       Em 2004 recebeu o Grande Prémio Gulbenkian de Literatura para crianças e jovens, na modalidade livro ilustrado, com o livro "Se eu fosse muito magrinho".

Foi criado em 2004, o Concurso Literário António Mota e tem sido um caso notável de aceitação, suscitando uma enorme adesão e entusiasmo entre alunos e professores. Destina-se aos alunos desde o ensino pré-escolar ao 3º ciclo.
   
Pretende promover e valorizar a língua portuguesa, despertar vocações e revelar os autores do futuro.

Bibliografia (Títulos /Editora)
 É autor(a) do(s) seguinte(s) livro(s):
LIVROS ESCOLARES
Prontuário Escolar "o Erro Não Mora Aqui" (Nova Edição)
Clube dos Campeões da Matemática 2º Ano
Sal, Sapo, Sardinha
Os Heróis do 6º F
Os Sonhadores
Tudo Certo 1.º Ano - Revisões e Actividades para Férias
Se Tu Visses o Que Eu Vi
O Galo da Velha Luciana
O Livro das Lengalengas 2
Tpc 1 - Consolidação de Aprendizagens
O Rebanho Perdeu As Asas - N.º 14
O Conde de Monte Cristo
Tudo Certo 3.º Ano - Revisões e Actividades para Férias
Ninguém Perguntou por Mim
O Livro dos Trava – Línguas 1
João Mandrião
Clube dos Campeões da Matemática 4º Ano
O Rei, o Sábio e Os Ratos
Tpc 3 - Consolidação de Aprendizagens
Clarinha
O Agosto Que Nunca Esqueci
Sonhos de Natal
O Lambão, o Teimoso e o Senhor Veloso- N.º 6
Onde Tudo Aconteceu
Saltitão 2º Ano - Ling. Port. - Fichas Trabalho
Saltitão 2º Ano - Lingua Portuguesa
Tudo Certo 2.º Ano - Revisões e Actividades para Férias
Clube dos Campeões da Matemática 3º Ano
Tpc - Trabalhos de Casa 1º Ano (N/E)
O Grilo Verde
Pardinhas
Uma Tarde No Circo (Inclui Oferta de 3 Bolas de Malabarismo)
O Sonho de Mariana (Inclui Oferta de Almofada)
Saltitão 3º Ano - Lingua Portuguesa
Saltitão 3º Ano - Ling. Port. - Fich.trabalho
O Livro dos Provérbios 1 - N.º 10
Tudo Certo 4.º Ano - Revisões e Actividades para Férias
O Livro dos Provérbios 2 - N.º 11
Tpc - Trabalhos de Casa 2º Ano (N/E)
Tpc - Trabalhos de Casa 3º Ano (N/E)
Tpc - Trabalhos de Casa 4º Ano (N/E)
Se Eu Fosse Muito Alto (3ª Ed.)
O Coelho Branco (Inclui Oferta de Fantoche)
Segredos - N.º 12
O Livro das Adivinhas 1 - N.º 15
O Livro das Adivinhas 2 - N.º 16
Outros Tempos
Se Eu Fosse Muito Forte
Se Eu Fosse Muito Pequenino
Pedro Alecrim (14ª Edição)
Tpc 4 - Consolidação de Aprendizagens
Clube dos Campeões da Matemática 1º Ano
Se Eu Fosse Muito Magrinho (Ne)
Trocas e Baldrocas
Tpc 2 - Consolidação de Aprendizagens
O Livro das Lengalengas 1
 

António Mota é um escritor recomendado pelo PNL. Na Biblioteca Escolar existem muitos livros da sua autoria.
Actividade: Procura colocar os títulos que se encontram nas colunas no crucigrama.

Þ    O Agosto que nunca esqueci
Þ    A casa das bengalas
Þ    Fora de serviço
Þ    Pedro Alecrim
Þ    A terra do Anjo Azul



Þ    Os sonhadores
Þ    Pardinhas
Þ    Filhos de Montepó
Þ    Os heróis do 6ºF
Þ    Cortei as tranças
Þ    O rapaz do Louredo









A










N
















T
























O























N















I













O

























M

















O





















T













A
















 Nome ________________________________________________________________
Ano ______  Turma _______   Nº ______       Data ______/______/_______


Atividade: Responde à pergunta.


A que obra de António Mota, existente na biblioteca da tua escola, pertence este excerto?


(…) Em dias de prova de avaliação aparece sempre de gravatinha e cinto largo. A princípio era uma grande risota vê-lo assim encadernado. Havia piadas. Mas o Luís não se aborrecia. E avisava:
- Podem rir mais, muito mais! Riam muito!... Mas fiquem sabendo que tenho muito respeitinho pelas avaliações…
Não demorei muito tempo a descobrir a razão daquela estranha forma de vestir em dias de prova escrita. O Luís serve-se da gravata, do cinto e das mangas da camisa para colocar copianços.
(…)
- Ó stôra! Copiar? Nós?!... Era o que faltava…
A gente não sabe fazer destas coisas… Ainda somos muito novinhos. (…)

Resposta: _____________________________ 

Nome ________________________________________________________________
Ano ______  Turma _______   Nº ______                   Data ______/______/_______



FEVEREIRO-MARÇO 2011
Camilo Castelo Branco



1- Nome da mulher fatal por quem Camilo se apaixonou; 2- Em 18.6.1885 é agraciado por D. Luís com um título: indique o nome; 3- Localidade do distrito de Vila Real para onde foi viver com a sua irmã, quando esta se casou com o futuro médico Francisco José de Azevedo; 4- Nome da obra em verso publicada em 1848; 5- Nome da peça teatral publicada em 1861; 6- Profissão que exercida, quando casou aos dezasseis anos, no concelho de Ribeira de Pena ; 7- Nome do romance publicado em 1863; 8- Nome da miscelânea publicada em 1863; 9- Localidade onde nasceu em 16.3.1825; 10- Nome de um romance, muito famoso, publicado em 1862; 11- Nome do romance publicado em 1851; 12- Localidade onde se suicidou em 1.6.1890; 13- Nome do romance publicado em 1865; 14- Nome da obra em verso publicada em 1890.










Síntese Biográfica

Escritor português (Lisboa, 16.3.1825 - São Miguel de Ceide, 1.6.1890).

Filho natural de Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco, oriundo de uma família da pequena e recente burguesia trasmontana, perde a mãe aos dois anos e o pai aos dez. Por decisão do conselho de família, vai, com a irmã Carolina, viver para Vila Real, a cargo de uma tia paterna, Rita Emília, que não se desvelará muito em carinho pelos dois órfãos. Quando, em 1839, a irmã casa com o futuro médico Francisco José de Azevedo, vai viver com eles para Vilarinho da Samardã e aí, por entre os acasos de uma adolescência nem sempre fácil, recebe a sua primeira formação cultural com as lições do Padre António de Azevedo, irmão do cunhado, que lhe ensina doutrina cristã, latim, francês e língua portuguesa. Aos 16 anos (em 18.8.1841), casa com Joaquina Pereira da França, camponesa do lugar de Friúme, concelho de Ribeira de Pena, onde temporariamente exercia as funções de amanuense; depressa, porém, a abandonaria. A adolescente, que lhe dera uma filha, nascida a 25.10.1841, morreria em 25.11.1847, poucos meses antes dessa filha, falecida a 10.3.1848. A sua volubilidade não tardaria em substituí-la, numa longa cadeia de amores que o levará sucessivamente aos braços de Patrícia Emília, que dele teve também uma filha, Bernardina Amélia, nascida a 25.6.1848; de Isabel Cândida Mourão, religiosa do Convento da Avé Maria; e, por fim, aos de Ana Plácido, a mulher fatal da sua vida.

Estimulado a princípio pelo sogro, pensa formar-se em Medicina e matricula-se, na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, que frequenta de 1842 a 1845. Em 1846, porém, já está em Coimbra, provavelmente para estudar Direito, curso que nem sequer iniciou. Volta a Vila Real, mas, a partir de 1848, fixa-se no Porto, decidido a ganhar a vida como jornalista. Num momento de fugaz exaltação religiosa, matricula-se no Seminário daquela diocese, com a intenção de se ordenar (1850), mas a pretensa vocação apagava-se escassos meses depois. Logo retoma a vida aventurosa de estroina «leão» romântico, dividida entre os cafés, os teatros, os salões da burguesia portuense de fresca data e as redacções dos jornais. É neste período que conhece Ana Augusta Plácido, casada com o comerciante regressado do Brasil, Manuel Pinheiro Alves, fazendo dela o objecto de uma desordenada paixão romântica. Seduzida e igualmente apaixonada, Ana abandona o marido e foge com Camilo para Lisboa.

Conhecido o escândalo, a esposa adúltera é posta em reclusão no Convento da Conceição de Braga (Julho de 1859), mas ao fim de pouco mais de um mês foge, retomando a convivência com Camilo. Instaurado o processo por adultério, é presa na Cadeia da Relação do Porto e Camilo, depois de vaguear pelo Minho e Trás-os-Montes, ali se entrega também a 1.10.1859. Absolvidos, vão viver para Lisboa, onde lhes nasceria o filho Jorge (28.6.1863), até que, em 1864, falecido Pinheiro Alves (15.7.1863), se instalam em São Miguel de Ceide, na casa que lhe pertencera e passara por herança a Manuel Plácido, seu pretenso filho, mas, ao, que tudo leva a crer, filho de Camilo. Com uma família a sustentar (o filho Nuno nascera nesse mesmo ano de 1864) e sem outros recursos além dos do seu trabalho, Camilo faz da pena o ganha-pão único numa ansiosa e febril necessidade de escrever para viver. Assim lhe vão decorrer os últimos 25 anos de vida, numa casa triste, cercada de paisagem triste. O destino dos filhos adensa-lhe sobre a alma nuvens negras de funestos presságios: Manuel, após uma falhada aventura comercial em Angola, entrega-se aos excessos de uma vida de boémia e morre prematuramente a 17.9.1877; Nuno segue-lhe o exemplo, numa sucessão ininterrupta de aventuras, jogo e degradação a que nem um casamento de escândalo, patrocinado pelo pai, consegue pôr termo; Jorge, que começara desde cedo a dar inequívocos sinais de perturbação mental, mergulhava pouco a pouco num estado de demência irrecuperável. Em 1858, por proposta de Alexandre Herculano, é eleito para a Academia das Ciências e em 18.6.1885 é agraciado por D. Luís com o título de visconde de Correia Botelho. As honrarias, porém, longe de lhe afagarem a vaidade, apenas podiam dar-lhe a vaga esperança de acautelar para a família um futuro menos ameaçado de indigência. E é talvez por isso que concorda em regularizar a sua situação conjugal com Ana Plácido. A 9.3.1888, quando há muito se apagara o encanto e o fogo romântico daquela ligação amorosa nos atritos mesquinhos de um quotidiano onde a poesia dera progressivo lugar à tragédia, celebra-se finalmente o casamento.

Atormentado pela doença, mergulhado em insanável tristeza, contra a qual apenas reage com a lâmina fina da ironia ou o látego terrível do sarcasmo, joguete permanente da sua alucinante instabilidade psíquica, ameaçado pela cegueira, julgando caminhar para a loucura que a tradição da família dava como estigma fatal de muitos dos seus, Camilo afunda-se no pessimismo e arrasta penosamente a cruz da sua expiação até que, vencido, se suicida.

Estas circunstâncias biográficas, onde o trágico se mistura com o romanesco, o sério com o burlesco, a honradez com a ligeireza moral e o sentido do religioso se vê permanentemente em conflito com a descrença e até com a blasfémia, uma capacidade de observação em permanente e atento exercício sobre o seu próprio mundo e o mundo que o rodeia, uma imaginação que não conhece limites nem restrições, uma irrequieta instabilidade psicológica, a volubilidade sentimental filha do seu temperamento romântico e a sua constante rebeldia de carácter, definem a perspectiva através da qual criou o mundo ficcional de toda a sua obra, enquadrado pela paisagem das províncias nortenhas do Minho e de Trás-os-Montes, com os seus ambientes rurais ou provincianos, tendo por centro o meio mais desenvolvido do Porto, onde se agita toda uma sociedade em constante e profundo conflito travado, bem à maneira romântica, entre os interesses materiais da realidade e as exigências da sensibilidade e do ideal.


O jovem Camilo retratado por Bottelho
Bibliografia
A - Antologia B – Biografia C – Crítica D - Diversos
E – Epistolografia FV - Folha Volante H – História
M - Miscelânea
N – Narrativa P – Polémica R – Romance T - Teatro
V - Versos
  


1845 – Os Pundonores Desagravados (V); O Juízo Final e o sonho do Inferno (V)
1847 – Agostinho de Ceuta (T)
1848 – Maria! Não Me Mates, Que Sou Tua Mãe! (N); A Murraça (V)
1849 – O Marquês de Torres Novas (T) ; O último Ano de Um Valido, antecedido de O Caleche (M)
1850 – O Clero e o Sr Alexandre Herculano (P); Soneto (V-FV); Improviso (V-FV)
1851 – Inspirações (V); Anátema (R)
1852 – Salve, Rei! (V); Revelações (P); Hosana! (V)
1854 – Um Livro (M – V- R); Duas Épocas na Vida (V); Folhas Caídas, Apanhadas na Lama (V); Mistérios de Lisboa, em 3 vols. (R); (À Senhora) Laura Geordano, 6 poesias (V -FV); Cenas Contemporâneas / I – A Filha do Arcediago (R)
1855 – Cenas Contemporâneas /II (M); Livro Negro de Padre Dinis (R)
1856 - Cenas Contemporâneas /III – A Neta do Arcediago (R); Hino Consagrado a S. M. El-Rei D. Pedro V (V); Onde Está a Felicidade? (R); Um Homem de Brios (R); Justiça (T)
1857 – Duas Horas de Leitura (N); Lágrimas Abençoadas (R); Espinhos e Flores (T); Purgatório e Paraíso (T); Solemnia Verba / Cenas da Foz (R)
1858 – Carlota Ângela (R); Vingança (R); O que Fazem Mulheres (R)
1859 – A Beneficência (V)
1860 – (A Madame) Adelaide Ristori (V)
1861 – Abençoadas Lágrimas! (T); O Morgado de Fafe em Lisboa (T); Doze Casamentos Felizes (R); O Romance Dum Homem Rico (R); Revista do Porto (D)
1862 – Poesia ou Dinheiro? (T); As Três Irmãs (R); O último Acto (T); Amor de Perdição (R); Memórias do Cárcere, em 2 vols. (N); Coisas Espantosas (R); Coração, Cabeça e Estômago (R); Estrelas Funestas (R)
1863 – Anos de Prosa (R); Aventuras de Basílio Fernandes Enxertado (R); O Bem e o Mal (R); Estrelas Propícias (R); Memórias de Guilherme do Amaral (R); Noites de Lamego (M); Cenas Inocentes da Comédia Humana (M); Agulha em Palheiro (R)
1864 – Amor de Salvação (R); A Filha do Doutor Negro (R); No Bom Jesus do Monte (N); Vinte Horas de Liteira (R)
1865 – Divindade de Jesus e Tradição Apostólica (M); Esboços de Apreciações Literárias (C); O Esqueleto (R); Horas de Paz (M); Luta de Gigantes (N); O Morgado de Fafe Amoroso (T); A Sereia (R)
1866 – A Enjeitada (R); O Judeu, em 2 vols. (R); O Olho de Vidro (R); A Queda Dum Anjo (R); O Santo da Montanha (R); Vaidade Irritadas e Irritantes (P)
1867 – A Bruxa de Monte Córdova (R); A Doida do Candal (R); Cavar em Ruínas (M); Cousas Leves e Pesadas (M); O Senhor do Paço de Ninães (R)
1868 – Mosaico e Silva de Curiosidades, etc. (M); Mistérios de Fafe (R); O Retrato de Ricardina (R); O Sangue (R); As Virtudes Antigas ou a Freira Que Fazia Chagas e o Frade Que Fazia Reis (M)
1869 – Os Brilhantes do Brasileiro (R)
1870 – D. António Alves Martins Bispo de Viseu (B); O Condenado, que inclui Como Anjos Se vingam (T); A Mulher Fatal (R)
1871 – Teatro Cómico / A Morgadinha de Val-d’Amores e Entre a Flauta e a Viola (T); Voltareis, ó Cristo? ((N)
1872 - A Infanta Capelista (R) (destruída; entrecho aproveitado para: ) O Carrasco de Victor Hugo José Alves (R) ; Livro de Consolação (R); Quatro Horas Inocentes (M); A Espada de Alexandre (D)
1873 – O Visconde de Ouguela (B)
1873/1874 – O Demónio do Ouro, em 2 vols. (R)
1874 – Ao Anoitecer da Vida (V); Correspondência Epistolar entre J. C. Vieira de Castro e C. C. B. , em 2 vols. (E); Noites de Insónia, em 12 fasc. (M); O Regicida (R); A Vida de José do Telhado (N)
1875 – A Filha do Regicida (R)
1875 / 1876 – A Caveira da Mártir, em 3 vols. (R)
1875 / 1877- Novelas do Minho, 8 novelas (8 títulos) repartidos por 12 fasc. (R)
1876 – Curso de Literatura Portuguesa (C)
1879 – Cancioneiro Alegre, etc. (A); Os Críticos do “Cancioneiro Alegre”” ((P); História e Sentimentalismo / Eusébio Macário (H-R)
1880 – Suicida (N); Luís de Camões (B); Sentimentalismo e História / A Corja (R-H); Ecos Humorísticos do Minho, em 4 folhetos (M); A Senhora Rattazzi (P)
1882 – Perfil do Marquês de Pombal (H); Narcóticos, em 2 vols. (M); A Brasileira de Prazins (R)
1883 – D. Luís de Portugal, etc. (H); A Questão da Sebenta – dos folhetos publicados só 5 pertencem a C.C.B., os restantes são da autoria de Avelino Calisto e José Maria Rodrigues (P)
1884 – O General Carlos Ribeiro (B); O Vinho do Porto (N)
1885/1886 – Maria da Fonte (H); Serões de S. Miguel de Ceide, em 6 fasc. (M)
1886 – A Lira Meridional (C); Boémia do Espírito (M); A Difamação dos Livreiros Sucessores de Ernesto Chardron (P); Esboço de Crítica / Otelo / o Mouro de Veneza (C); Vulcões de Lama (R)
1888 – Nostalgias (V)
1889 – Delitos da Mocidade (M)
1890 – Nas Trevas (V)




Poemas
Nas Trevas, é um livro com data de 1890, de poemas, amargo, e julgo que o seu último publicado em vida, visto ter falecido em Junho desse ano, há 118 anos. Nesta altura, Camilo estaria já quase cego, daí o título. É curioso verificar que as reacções dos media criticadas nos dois sonetos abaixo, são semelhantes às dos dias de hoje.

A outra metade

Quando este corpo meu esfacelado

Baixar á leiva húmida da cova,

Hão de os jornais carpir a infausta nova,

Taxando-me de sábio consumado.



Estalará na imprensa enorme brado,

Pedindo a ressurgência d’um Canova

Que a morta face em mármore renova

Para insculpir meu busto laureado.



E algum dos imbecis necrologistas,

Com soluçantes vozes de saudade,

Dirá em ricas frases nunca vistas:



“Esse génio imortal, rei dos artistas,

No céu pede ao Senhor que a outra metade

Reparta por vocês, ó jornalistas!”





Comédia humana



Literatos! Chorai-me, que eu sou digno

Da vossa gemebunda e velha táctica!

Se acaso tendes crimes em gramática,

Farei que vos perdoe o Deus benigno.



Demais conheço a prosa inflada, enfática,

Com que chorais os mortos; e o maligno

Desafecto aos que vivem… Não me indigno…

Sei o que sois em teoria e em prática.



Quando o avô desta vã literatura

Garret, era levado á sepultura,

Viu-se a imprensa verter prantos sem fim…



Pois seis dos literatos mais magoados,

Saíram, nessa noite embriagados,

Da crapulosa tasca do Penim.

.

Nota: a tasca do Penim era frequentada por artistas e situava-se na Rua do Regedor (junto à Rua da Madalena na Baixa Pombalina).

.

.

Tomás Ribeiro



Ao cantor de D. Jaime era ousadia

Dedicar uns insípidos sonetos,

Bem pálidos, mesquinhos esbocetos

Dos Ridículos grandes d’hoje em dia.



A ti que ileso passas nesta orgia,

Modesto, honrado e amado, que amuletos

Te salvam destes pântanos infectos

Em que chafurda a esquálida anarquia?



Tantas vezes Governo!... E não tens pejo

De ser pobre, ó Tomás?... Isto que vejo

Me inspira o vaticínio que registro:



Dirão de ti as porvindouras eras:

“Ministro pobre em Portugal! Quimeras!...

Ou viveu farto, ou nunca foi ministro!”

Um grande elogio é feito por Camilo neste livro, ao poeta Tomás Ribeiro, e à sua íntegra carreira política.

" OS AMIGOS "

Amigos, cento e dez, ou talvez mais,

Eu já contei. Vaidades que eu sentia:

Supus que sobre a terra não havia

Mais ditoso mortal entre os mortais!



Amigos, cento e dez! Tão serviçais,

Tão zelosos das leis da cortesia

Que, já farto de os ver, me escapulia

Às suas curvaturas vertebrais.



Um dia adoeci profundamente. Ceguei.

Dos cento e dez houve um somente

Que não desfez os laços quasi rotos.



Que vamos nós (diziam) lá fazer?

Se ele está cego não nos pode ver.

- Que cento e nove impávidos marotos!

Camilo, neste soneto, demonstrou boa dose de humorismo, ridicularizando os "amigos" que o abandonaram quando ele ficou cego

A MAIOR DOR HUMANA



Que imensas agonias se formaram

Sob os olhos de Deus! Sinistra hora

Em que o homem surgiu! Que negra aurora,

Que amargas condições o escravizaram!



As mãos, que um filho amado amortalharam,

Erguidas buscam Deus. A Fé implora…

E o céu que respondeu? As mãos baixaram

Para abraçar a filha morta agora.



Depois, um pai que em trevas vai sonhando,

E apalpa as sombras deles onde os viu

Nascer, florir, morrer!... Desastre infando!



Ao teu abismo, pai, não vão confortos…

És coração que a dor empederniu,

Sepulcro vivo de dois filhos mortos.



(Na morte quase simultânea dos dois filhos únicos de Teófilo Braga)



Cartas
Carta de Camilo Castelo Branco a José Cardoso Vieira de Castro (IV)


Amigo,


Não me culpe pela falta de resposta à sua última carta, que me obrigava a agradecer-lhe expressões afectuosas, e prometidos obséquios. Tem-me corrido cortada de embaraços a vida.


O contentamento do coração não basta. Reluto sempre contra a conspiração desta gente que me cava abismos adiante de todos os passos. Quer um traço da vilania destes cafres? Andou uma comissão ad hoc por portas, pedindo aos subscritores do Mundo-Elegante que se despedissem. A intenção é cortar-me os recursos que me provinha daquele jornal.


Querem render a praça pela penúria, e eu por fim espero, parodiando o alcaide de Coimbra, enviar-lhe não uma truta, mas uma... porra. Desculpe o arredondamento do período, que é menos decente que eufónico.


Tenho, entretanto, escrito algumas tiras do Filosófico, na esperança de que o meu amigo estará no seu propósito.


Segundo me dissi, deve estar brevemente no Porto. Então lhe contarei os sucessos desta penosa existência, que ofereço aos infelizes para que se consolem.


Goze as venturas do Ermo, e creia que os maus momentos da solidão são mais saborosos que os melhores deste viver em que a morte se afigura uma consoladora perspectiva.

Do seu verdadeiro amigo


Camilo Castelo Branco


Carta de Camilo Castelo Branco a FRANCISCO mARTINS SARMENTO
Meu caro amigo
Recebi oito libras. Eu já não sei o que possa dizer-lhe. É também uma infelicidade.
O autor dos folhetins Mdelle R. é um tal Nicolau de Brito, de Lisboa.
Nesta semana vai para Lisboa o Basto do Nacional a fim de solicitar a brevidade da minha despronúncia. Espero estar livre no meado do mês que vem.
Estou a cair numa atrofia completa de corpo e alma. Não é desanimação — é doença, a velhice extemporânea, chamada pela desgraça.
A D. Ana vive melhor e mais esquecida.
Seu do coração.
Camilo
Cadeia
18 de Novembro de 1860.



Aforismos e Frases

"O amor, que não perde nem desvaira, esse é que é o amor"

“Todas as paixões são vencíveis.”

“A maldade é congénere do homem.”

“As acções de cada pessoa são boas ou más consoante a maneira como as outras as comentam.”

“As quedas de algumas mulheres justificam-nas alguns maridos.”

“Ao pé de um bom estômago coincidiu sempre uma boa alma.”

“A maior alma é sempre insignificante ao pé da pequeníssima alma em cuja dependência está.”

“Quando a eloquência, inspirada do íntimo da alma, regurgita em jorros dos lábios de uma amante, é certo o triunfo.”

“A amante que chora o amante que teve, na presença do amante que se lhe oferece, quer persuadir o segundo que é arrastada ao crime pela ingratidão do primeiro.”

“Em coisas insignificantes é que um verdadeiro amigo se avalia.”

“Amigos verdadeiros são os que nos acodem inopinados com valedora mão nas tormentas desfeitas.”

 


Contos de Miguel Torga

in: Novos Contos da Montanha


A Confissão

Sentia ainda o cinturão do sargento a cortar-lhe a carne. A mocidade de amontoada no posto da guarda, em Freixeda, ia sendo interrogada assim.

— Outro! — ordenava a voz sinistra lá de dentro.

E enquanto o cabo Silvino atirava pela porta fora um desgraçado de camisa despedaçada e a escorrer sangue, recebia guia de marcha novo bombo para a festa.

— Tu.

— Tu.

— Tu.

— E agora nós...

Retesou a vontade. Já só faltava ele e a própria mudança no tom e nos termos da intimidação dizia tudo.

Preso logo a seguir ao crime, negara redondamente que fosse o criminoso. E o inquiridor recorria ao seu processo habitual nos casos complicados: juntava os suspeitos e os insuspeitos no mesmo redil e levava-os a eito. A verdade acabava por sair do látego, ou confessada ou denunciada.

Entrou calmamente e tentou provar mais uma vez a sua inocência. Brigara, realmente, na noite de Reis com o Armindo, de quem, como toda a gente podia testemunhar, era amigo. Andavam na paródia, beberam muitos quartilhos e, às tantas, por dez réis de coisa nenhuma, pegaram-se. Dera, levara, mas em luta aberta e leal. No fim da zaragata, bem apalpados ambos, seguira cada qual o seu caminho e do fundo da rua é que ouvira gritar aqui del-rei.

— Confessa. Confessa, que é melhor...

— Já lhe disse que não fui eu!

— Queres provar da marmelada, está visto. Pois seja feita a tua vontade.

Olhou fixamente o fatinário antes do primeiro golpe. Sabia que as aparências o comprometiam e que caíra nas mãos do Diabo. Todos, aberta ou encobertamente, o consideravam o autor do crime. A própria vítima o apontara à justiça.

— Ah! Bernardo, que me mataste! — gemera o Armindo, ao sentir-se trespassado pelas costas.

E Júlia Garrido que já estava na cama e ouvira a acusação, acrescentava que, sem pôr as mãos nos Evangelhos, ia jurar ter reconhecido o vulto dele a esgueirar-se pelo quelho, quando, alarmada, correu à janela.

Com provas de tal natureza, ninguém duvidava da sua culpa. E muito menos o sargento, que só por táctica armara aquela comédia. Até no simples facto de o guardar para remate do arraial mostrava claramente o jogo. Tentava atemorizá-lo pondo-lhe diante dos olhos o sudário prévio do que se ia passar. Mas um homem é um homem e quem não deve não teme. Altivamente estremou os campos.

— Faça como entender, na certeza de que está muito enganado se cuida que me obriga a ser o que não sou.

— Talvez mudes de opinião daqui a nada. Ora vamos lá...

O azorrague zuniu e nem se queria lembrar do tempo que durara aquele malhar sem tino. Os últimos golpes já quase os não sentira, de tal modo ardia todo numa dor viva. Por sinal que foi durante a pancadaria que teve o pressentimento do que se passara. De repente, que iluminado por dentro, viu o Reinaldo apagado na escuridão a assistir à bulha, seguir o Armindo depois da refrega e aproveitar a ocasião para o esfaquear à falsa-fé quando o desgraçado virava a esquina da casa. Despeitado por se ver preterido por ele no coração da Silvana, vingava-se a coberto de qualquer perigo. Se tinha havido barulho antes da morte, nada mais natural do que pensar num desforço traiçoeiro do adversário de há pouco...

O vozeirão do sargento quebrou-lhe o fio à meada.

— Então? Chega ou queres mais?

Arquejante, numa posta de sangue, ainda arranjara forças para recalcitrar.

— Nem que me corte aos bocados! Nego e torno a negar.

O carrasco abaixou o chicote e chamou o ajudante.

— Solta os outros e põe este de salmoura. Amanhã continuamos.

Estendido nas lajes da prisão, com a roupa colada ao corpo retalhado, malucou naquela miséria. Por todos os lados que a encarasse, ia dar sempre ao mesmo. Ninguém o acreditaria, dissesse o que dissesse. Infelizmente, a verdade, no seu caso, não tinha demonstração. Teimar em proclamá-la? De que valia? Surdo, o sargento não a podia ouvir. E o sargento era Freixeda e o resto do mundo. Lançar o nome do Reinaldo na fogueira? Talvez outros o fizessem. Ele é que nunca. Nem tinha a certeza, nem era denunciante. Portanto, só havia um recurso: fugir.

E fugira, realmente, nessa mesma noite, coisa que não passara sequer pela cabeça do da guarda. Tanto assim que nem sentinela mandara pôr à porta da velha cadeia concelhia onde agora o guardava sozinho. Embora a saber que escapulindo-se confirmava para o resto da vida a acusação que lhe faziam, às tantas da manhã, com a energia, a paciência e a arte de que apenas se é capaz nas horas apertadas, ala que se faz tarde.

Passou por casa, mudou de roupa, pediu dinheiro emprestado, e antes de o sol nascer atravessou a fronteira.

Voltava agora, decorrido meio século, velho, pobre, amargurado, com toda uma existência de exilado atrás de si e dorido ainda dos golpes injustos que recebera. A que vinha? Rever a terra da criação, rezar duas ave-marias na sepultura dos pais e calar uma ânsia obscura de resgate que os anos tornavam cada vez mais premente.

Não anunciara a chegada nem mesmo à única irmã que lhe restava. Vinha como um fantasma sorrateiro apropriar-se da realidade de que fora espoliado.

Passageiro anónimo da camioneta da carreira, apenas ela o alijou no largo, ficou-se pasmado a olhar o fontanário, o cruzeiro, o rego de água que atravessava a povoação e o casario que a tarde mortiça tornava sonolento. E apeteceu-lhe chorar. O que ele fora e o que ele era agora! Naquela terra sonhara e confiara. E daquela terra o expulsara a maldade de alguém que, sem remorsos, ali pudera continuar no aconchego das coisas familiares. Cinquenta anos de vida errante, com o labéu dum assassinato a roê-lo. Aonde chegava, chegava a sombra do homicida que não era. Até nos olhos dos que não conheciam a história do crime lia sempre a negra acusação. O tempo acabara por lhe delir na própria lembrança a imagem vislumbrada do possível criminoso. Nítido na sua consciência e na do mundo, apenas um nome infamado: o seu.

— Oh! Bernardo! — gritou-lhe uma voz cavernosa atrás das costas.

Voltou-se. Era o padre Artur, seu companheiro de meninice, ainda seminarista na altura do crime. Sempre a pastorear freguesias longínquas, fora finalmente encarregado do rebanho nativo.

— Oh! Artur! — correspondeu num alvoroço, esquecido de distâncias e conveniências.

Caíram nos braços um do outro, num irresistível impulso fraterno.

— Ainda bem que voltaste! Ia-te escrever hoje. Até pedi a direcção a tua irmã. Tinhas-lhe dito que vinhas?

— Não valia a pena...

— Então vai ter com ela e amanhã falamos. É que o Reinaldo morreu esta manhã. Ouvi-o ontem de confissão... Eu sempre acreditei na tua inocência, rapaz!

Melancolicamente, pegou na mala e deu alguns passos em direcção à casa paterna. Mas logo adiante parou, depôs o carrego e mudou de rumo.

No cimo da rua principal desandou à esquerda, atravessou vários quinteiros, subiu as escadas do Reinaldo e entrou.

O ambiente era lúgubre. Havia lágrimas e luto em todos os olhos.

Rompeu por entre a multidão que se acotovelava, sem ninguém o reconhecer.

— Quem é? — perguntavam.

— Não sei.

O cadáver jazia ainda sobre a cama, já vestido, à espera do caixão.

A passos lentos aproximou-se e fitou durante alguns momentos a figura hirta e mirrada do defunto. De repente, num ímpeto, deitou-lhe as mãos às abas do casaco, ergueu-o e rouquejou, fora de si:

— Estás morto, é o que te vale. Mas mesmo assim não vais deste mundo sem duas bofetadas na cara, covarde!

E deu-lhas.


DEZEMBRO-2010 


Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia Rocha, (São Martinho de Anta, Sabrosa, 12 de Agosto de 1907 — Coimbra, 17 de Janeiro de 1995) foi um dos mais importantes escritores portugueses do século XX, considerado, por alguns, o poeta português mais importante do século XX.





Reflexão e Pensamento de Miguel Torga


"História Antiga

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.

A gente olhava, reparava e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da nação.

Mas, por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças."

Miguel Torga


Passatempos

Crucigramas



1- Nome próprio de Miguel Torga; 2- Aos 11 anos Miguel Torga vai estudar para o Seminário: nome da cidade (invertido); 3- Localidade onde nasceu; 4- Localidade onde faleceu; 5- Nome do segundo livro publicado em 1930; 6- Nome da obra publicada (em 1934) por Miguel Torga com o prefácio de Adolfo Rocha (invertido); 7- Nome do livro de contos publicado em 1940; 8- Nome do Prémio recebido em 1989; 9- Nome do livro de poesia publicado em 1968 (invertido); 10- Nome de uma Peça de Teatro publicada em 1950; 11- Nome da obra que foi publicada entre 1932 e 1993, onde Miguel Torga retrata o pulsar do autor sobre o homem, o mundo e a vida; 12- Nome da obra de Ficção publicada em 1941; 13- Nome de uma Peça de Teatro publicada em 1947; 14- Nome da obra de Ficção publicada em 1945.




"Um Conto de Natal


De sacola e bordão, o velho Garrinchas fazia os possíveis para se aproximar da terra. A necessidade levara-o longe demais. Pedir é um triste ofício, e pedir em Lourosa, pior. Ninguém dá nada. Tenha paciência, Deus o favoreça, hoje não pode ser - e beba um desgraçado água dos ribeiros e coma pedras! Por isso, que remédio senão alargar os horizontes, e estender a mão à caridade de gente desconhecida, que ao menos se envergonhasse de negar uma côdea a um homem a meio do padre-nosso. Sim, rezava quando batia a qualquer porta. Gostavam... Lá se tinha fé na oração, isso era outra conversa. As boas acções é que nos salvam. Não se entra no céu com ladainhas, tirassem daí o sentido. A coisa fia mais fino! Mas, enfim... Segue-se que só dando ao canelo por muito largo conseguia viver.

E ali vinha demais uma dessas romarias, bem escusadas se o mundo fosse de outra maneira. Muito embora trouxesse dez réis no bolso e o bornal cheio, o certo é que já lhe custava arrastar as pernas. Derreadinho! Podia, realmente, ter ficado em Loivos. Dormia, e no dia seguinte, de manhãzinha, punha-se a caminho. Mas quê! Metera-se-lhe na cabeça consoar à manjedoira nativa... E a verdade é que nem casa nem família o esperavam. Todo o calor possível seria o do forno do povo, permanentemente escancarado à pobreza.

Em todo o caso sempre era passar a noite santa debaixo de telhas conhecidas, na modorra de um borralho de estevas e giestas familiares, a respirar o perfume a pão fresco da última cozedura... Essa regalia ao menos dava-a Lourosa aos desamparados. Encher-lhes a barriga, não. Agora albergar o corpo e matar o sono naquele santuário colectivo da fome, podiam. O problema estava em chegar lá. O raio da serra nunca mais acabava, e sentia-se cansado. Setenta e cinco anos, parecendo que não, é um grande carrego. Ainda por cima atrasara-se na jornada em Feitais. Dera uma volta ao lugarejo, as bichas pegaram, a coisa começou a render, e esqueceu-se das horas. Quando foi a dar conta passava das quatro. E, como anoitecia cedo não havia outro remédio senão ir agora a mata-cavalos, a correr contra o tempo e contra a idade, com o coração a refilar. Aflito, batia-lhe na taipa do peito, a pedir misericórdia. Tivesse paciência. O remédio era andar para diante. E o pior de tudo é que começava a nevar! Pela amostra, parecia coisa ligeira. Mas vamos ao caso que pegasse a valer? Bem, um pobre já está acostumado a quantas tropelias a sorte quer. Ele então, se fosse a queixar-se! Cada desconsideração do destino! Valia-lhe o bom feitio. Viesse o que viesse, recebia tudo com a mesma cara. Aborrecer-se para quê?! Não lucrava nada! Chamavam-lhe filósofo... Areias, queriam dizer. Importava-se lá.
E caía, o algodão em rama! Caía, sim senhor! Bonito! Felizmente que a Senhora dos Prazeres ficava perto. Se a brincadeira continuasse, olha, dormia no cabido! O que é, sendo assim, adeus noite de Natal em Lourosa...
Apressou mais o passo, fez ouvidos de mercador à fadiga, e foi rompendo a chuva de pétalas. Rico panorama!

Com patorras de elefante e branco como um moleiro, ao cabo de meia hora de caminho chegou ao adro da ermida. À volta não se enxergava um palmo sequer de chão descoberto. Caiados, os penedos lembravam penitentes.

Não havia que ver: nem pensar noutro pouso. E dar graças!
Entrou no alpendre, encostou o pau à parede, arreou o alforge, sacudiu-se, e só então reparou que a porta da capela estava apenas encostada. Ou fora esquecimento, ou alguma alma pecadora forçara a fechadura.

Vá lá! Do mal o menos. Em caso de necessidade, podia entrar e abrigar-se dentro. Assunto a resolver na ocasião devida... Para já, a fogueira que ia fazer tinha de ser cá fora. O diabo era arranjar lenha.

Saiu, apanhou um braçado de urgueiras, voltou, e tentou acendê-las. Mas estavam verdes e húmidas, e o lume, depois de um clarão animador, apagou-se. Recomeçou três vezes, e três vezes o mesmo insucesso. Mau! Gastar os fósforos todos é que não.
Num começo de angústia, porque o ar da montanha tolhia e começava a escurecer, lembrou-se de ir à sacristia ver se encontrava um bocado de papel.

Descobriu, realmente, um jornal a forrar um gavetão, e já mais sossegado, e também agradecido ao céu por aquela ajuda, olhou o altar.

Quase invisível na penumbra, com o divino filho ao colo, a Mãe de Deus parecia sorrir-lhe. Boas festas! - desejou-lhe então, a sorrir também. Contente daquela palavra que lhe saíra da boca sem saber como, voltou-se e deu com o andor da procissão arrumado a um canto. E teve outra ideia. Era um abuso, evidentemente, mas paciência. Lá morrer de frio, isso vírgula! Ia escavacar o ar canho. Olarila! Na altura da romaria que arranjassem um novo.
Daí a pouco, envolvido pela negrura da noite, o coberto, não desfazendo, desafiava qualquer lareira afortunada. A madeira seca do palanquim ardia que regalava; só de cheirar o naco de presunto que recebera em Carvas crescia água na boca; que mais faltava?

Enxuto e quente, o Garrinchas dispôs-se então a cear. Tirou a navalha do bolso, cortou um pedaço de broa e uma fatia de febra e sentou-se. Mas antes da primeira bocada a alma deu-lhe um rebate e, por descargo de consciência, ergueu-se e chegou-se à entrada da capela. O clarão do lume batia em cheio na talha dourada e enchia depois a casa toda. É servida?

A Santa pareceu sorrir-lhe outra vez, e o menino também.

E o Garrinchas, diante daquele acolhimento cada vez mais cordial, não esteve com meias medidas: entrou, dirigiu-se ao altar, pegou na imagem e trouxe-a para junto da fogueira.

— Consoamos aqui os três - disse, com a pureza e a ironia de um patriarca. — A Senhora faz de quem é; o pequeno a mesma coisa; e eu, embora indigno, faço de S. José."


Miguel Torga




Uma Discussão nesta Santa Terra Portuguesa Acaba sempre aos Berros

Não há maneira. Por mais boa vontade que tenham todos, uma discussão nesta santa terra portuguesa acaba sempre aos berros e aos insultos. Ninguém é capaz de expor as suas razões sem a convicção de que diz a última palavra. E a desgraça é que a esta presunção do espírito se junta ainda a nossa velha tendência apostólica, que onde sente um náufrago tem de o salvar. O resultado é tornar-se impossível qualquer colaboração nas ideias, o alargamento da cultura e de gosto, e dar-se uma trágica concentração de tudo na mesquinhez do individual.

Miguel Torga, in "Diário (1940)"






NOVEMBRO-2010
Jaime Zuzarte Cortesão (29-4-1884 -14-8-1960)


De seu nome completo Jaime Zuzarte Cortesão, nasceu em 1884 perto de Cantanhede, mas muito jovem a sua família se transferiu para próximo de Coimbra, onde iniciou os estudos. A sua vida de estudante universitário foi uma sucessão de experiências depressa abandonadas (passou por Grego, Direito e Belas-Artes) antes de se fixar em Medicina, que terminaria em Lisboa com uma tese que espelha já a sua multiplicidade de interesses (A Arte e a Medicina - Antero de Quental e Sousa Martins). A medicina não era, porém, a sua paixão; exerceu-a sem grande entusiasmo, e cedo se entregou a outras actividades, nomeadamente ao ensino (nos liceus e mais tarde nas Universidades Populares criadas durante a República), à literatura e à política. As suas tendências literárias e o seu interesse pela política, que sempre andaram a par, vincariam toda a sua vida de adulto em Portugal e no estrangeiro. Escritor (poeta, dramaturgo, contista, memorialista), colaborou na concretização de diversas publicações que marcaram a vida intelectual do primeiro quartel do nosso século (A Águia, Renascença, Seara Nova). As suas actividades políticas, iniciadas ainda durante a Monarquia, revestiram-se de grande riqueza e diversidade: participou activamente na conspiração republicana que iria conduzir ao 5 de Outubro de 1910, nas movimentações políticas conducentes à queda da ditadura de Pimenta de Castro em 1915, e opôs-se tanto ao sidonismo como ao salazarismo, o que lhe valeu por diversas vezes a prisão e finalmente o exílio; convidado para Ministro da Instrução, não aceitou o convite, mas foi deputado e, apesar da imunidade que essa qualidade lhe dava, ofereceu-se como voluntário para as forças expedicionárias na Primeira Guerra Mundial, assim dando consistência à sua posição política favorável à participação de Portugal no conflito; filiado na Maçonaria, acabou por se desvincular daquela organização ao cabo de vários anos de participação irregular nas suas actividades. Opositor do fascismo, combateu-o mesmo antes do 28 de Maio, procurando, pela propaganda, evitar o seu acesso ao poder, sendo forçado a exilar-se após o golpe que instituiu a Ditadura Militar. O exílio levá-lo-ia a França e a Espanha, onde simultaneamente conspirava e efectuava as investigações históricas que já então constituíam o cerne das suas preocupações intelectuais. A queda da República Espanhola (1939) força-o a abandonar o país vizinho, fixando-se em França, de onde escapa novamente, desta vez regressando a Portugal, quando aquele país sofre a invasão nazi. Preso novamente, novamente se exila, desta vez para o Brasil, onde foi docente, jornalista e conferencista, destacando-se ainda como investigador da História de Portugal e da sua expansão e da História da formação do Brasil. No desenvolvimento desta fértil actividade intelectual, produz um vasto conjunto de obras inovadoras de grande fôlego, que lhe granjeiam reconhecimento internacional, tanto pelo rigor da investigação e pela clareza da exposição como pela solidez das teses defendidas. No fim da sua vida, visitou regularmente Portugal, tendo regressado definitivamente apenas em 1957. A sua avançada idade não lhe permitiu aceitar a proposta da Oposição ao Estado Novo de se candidatar à Presidência da República, em 1958, mas não o impediu de continuar a lutar contra o regime, tendo sido um dos autores de um Programa para a Democratização da República que só viria a público alguns meses depois do seu falecimento em 1960.

Bibliografia: Eça de Queirós e a Questão Social, Lisboa, 1949; A Fundação de São Paulo, Capital Geográfica do Brasil, Rio de Janeiro, 1955; Brasil, Barcelona, 1956; História do Brasil nos Velhos Mapas, Rio de Janeiro, 1965; O Humanismo Universalista dos Portugueses: a Síntese Histórica e Literária, Lisboa, 1965; A Política de Sigilo nos Descobrimentos: nos Tempos do Infante D. Henrique e de D. João II, Lisboa, 1960; Os Factores Democráticos na Formação da Nacionalidade, Lisboa, 1964; Expansão dos Portugueses no Período Henriquino, Lisboa, 1965; Os Descobrimentos Pré-Colombinos dos Portugueses, Lisboa, 1966; O Ultramar Português Depois da Restauração, Lisboa, 1971; História dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 197-; Os Descobrimentos Portugueses, 3 vols., Lisboa, 1980; A Expansão dos Portugueses na História da Civilização, Lisboa, 1983; Teoria Geral dos Descobrimentos Portugueses e Outros Ensaios, Lisboa, 1984; Portugal, a Terra e o Homem, Lisboa, 1987; História da Expansão Portuguesa, Lisboa, 1993; A Expedição de Pedro Álvares Cabral e o Descobrimento do Brasil, Lisboa, 1994; Memórias da Grande Guerra: 1916-1919, Porto, 1919; Treze Cartas de Cativeiro e Exílio, Lisboa, 1987; Egas Moniz, Porto, 1918; O Infante de Sagres, drama épico, Porto, 1916; Adão e Eva, Lisboa, 1921; Divina Voluptuosidade, Poemas em Redondilhas, Lisboa, 1910; A Morte da Águia, Lisboa, 1910; Esta História é para os Anjos, Porto, 1912; Glória Humilde, Porto, 1914; A Sinfonia da Tarde, Porto, 1912; Daquem e Dalem Morte, Porto, 1913; Missa da Meia-Noite e Outros Poemas, Lisboa, 1940; Parábola Francisca, Lisboa, 1953; Poesias Escolhidas, Lisboa, 1960; Divina Voluptuosidade: Missa da Meia-Noite e Outros Poemas, Lisboa, 1968; Poesias, Lisboa, 1967-68; Romance das Ilhas Encantadas, Lisboa, 1979

Jaime Cortesão. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010. [Consult. 2010-11-11].
Disponível na www: URL:
http://www.infopedia.pt/$jaime-cortesao

Carta de Camilo Castelo Branco a FRANCISCO mARTINS SARMENTO
Meu prezado amigo
Cheguei de Lisboa há 8 dias. Procurei os S.S. Padres. Apenas o Bertrand e Borel se encarregaram de procurar nos seus armazéns, e enviar-me a Relação dos que encontrassem. Disseram que há hoje muito quem os procure. Isto é incrível! A religião cristã e o latim caíram, e os santos padres sobrevivem! Brevemente lhe darei conta do que eles me transmitirem.
Parece-me, meu caro Martins, que você passou por alto, no catálogo grande, uma colecção de raros livros respectivos às polémicas e controvérsias sugeridas até ao 4.º século da igreja. Como sabe, os escritores cristãos não fizeram mais que combater os heresiarcas e particularmente os gnósticos que sobre a filosofia de Platão arquitectaram os absurdos sistemas que os santos padres combateram com bem fraco pulso quase sempre. As lutas principais e para assim dizer compendiadas em livros mais maneiros e bons para estudo, encontra você nos artigos que lhe vou indicar nos livros latinos e gregos. Não se lhe figure sugestão mercantil esta observação. É que eu, vendo os altos preços que tais obras têm no Brunet e nos Catálogos franceses, sinto que afinal os livros vão para fora, e você um dia haja de os comprar por alto preço, ou prescindir de os possuir. Repare portanto nos números: 16, 49, 51, 61, 88, 90, 137, 138, 152, 172, 196, 224, 232, 233, 238, 283, 284, 296, 302, 320, 344, 346, 369, 379, 397, 402, 407, 408, 453, 454, 455, 503, 506, 532, 569, 590.
Estes livros, feito o abatimento de 20% (operação que eu lhe ensinei a fazer com admirável nitidez) importam em 37$850.
Vou mandar vir do Porto os Plutarcos para lhos enviar daqui. Por essa ocasião lhe enviarei uma raridade: Illustrium miraculorum et historiarum memorabilium do Cezario, 1605. É a colecção dos falsos milagres do 5.º século da igreja. Este livro foi abafado pela Santa Sé.
Possuo o exemplar de Alcobaça, que pertenceu ao Deão do Funchal, confessor da Imperatriz, ultimamente falecido.
Adeus. Como vão lá os ladrões duplamente domésticos?
Seu muito grato.
Seide,12 de Novembro de 69.
Camilo Castelo Branco



Carta de Camilo Castelo Branco a FRANCISCO mARTINS SARMENTO

Meu caro amigo
O Tomás Ribeiro nada mandou dizer quanto ao despacho do Berrance. Talvez mais poderosa influência o despachasse. Fosse quem fosse, o que eu muito desejo é que ele não se arrependa. Eu imagino doido sem intervalo lúcido quem troca por Timor Guimarães — a casquilha.
Estou completando uns Comentários a um Cancioneiro Alegre de portugueses e brasileiros. Veja que disparate na velhice! Se você chegar a ler o livro, compreende logo que eu quis fazer supurar um furúnculo que me incomodava, e receava que ele me rebentasse por dentro e eu morresse sem saber-se de quê, como dizia o Hamlet.
Boas festas. Eu estou na cama a ver como se estorcem os braços dum carvalho que geme como um diabo precipitado do inferno de cima para o inferno de baixo. O céu assim não convida. Chamam-lhe os vates o azul. Aplique a estes coloristas as melhores coisas de Gil Vicente.
Do seu do coração
Camilo Castelo Branco



Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros, de que fala Camilo, foi editado em Abril de 1879.  




Pensamentos / Reflexões
Talento não é Sabedoria
Deixa-me dizer-te francamente o juízo que eu formo do homem transcendente em génio, em estro, em fogo, em originalidade, finalmente em tudo isso que se inveja, que se ama, e que se detesta, muitas vezes. O homem de talento é sempre um mau homem. Alguns conheço eu que o mundo proclama virtuosos e sábios. Deixá-los proclamar. O talento não é sabedoria. Sabedoria é o trabalho incessante do espírito sobra a ciência. O talento é a vibração convulsiva de espírito, a originalidade inventiva e rebelde à autoridade, a viagem extática pelas regiões incógnitas da ideia. Agostinho, Fénelon, Madame de Staël e Bentham são sabedorias. Lutero, Ninon de Lenclos, Voltaire e Byron são talentos.


Camilo Castelo Branco, in 'Coisas que Só eu Sei'
A Melancolia
A melancolia é sorna e estéril. Camões escreveu a sua epopeia nos dias da esperança. Quando a tristeza desanimadora o entrou, já não pôde escrever para o fidalgo, que lha pedia, uma paráfrase dos salmos.
Uma inteligência em quietismo não danifica os interesses materiais dum país, e até certo ponto pode considerar-se providencial o pousio; mas um cidadão analfabeto, embrutecido pela melancolia, se a sua qualidade civil é importante como deve ser, pode prejudicar gravemente os interesses da cidade.
Ainda bem que a melancolia raro se atreve a perturbar o funcionalismo intelectivo de certas cabeças, cuja organização é maravilha. Daí provém a traça metódica e auspiciosa com que o homem supinamente ignorante regula os seus negócios. Há nessa cabeça a perene claridade dum fundo de garrafa de cristal. As ideias impedem-lhe congeladas da abóbada craniana como as estalactites duma caverna. Dessa imobilidade imperturbável de cérebro resulta a fixidez da mira posta num alvo, a pertinácia das empresas e o conseguimento dos bons efeitos.
Ainda não vi tão cabal e logicamente explicado o fortunoso êxito de algumas riquezas granjeadas pela inépcia.
Não obstante, o número dos bastardos da fortuna é muito maior. O leitor é de certo um dos que tem em cada dia uma hora de enojo, de quebranto, de melancolia, de concentração dolorosa, de desapego à vida, de misantropia e de diálogo terrível com o fantasma da aniquilação.
Camilo Castelo Branco, in 'Coração, Cabeça e Estômago'
Amor como Depravação do Nervo Óptico
Entendem cordatos fisiologistas que o amor, em certos casos, é uma depravação do nervo óptico. A imagem objectiva, que fere o órgão visual no estado patológico, adquire atributos fictícios. A alma recebe a impressão quimérica tal como sensório lha transmite, e com ela se identifica a ponto de revesti-la de qualidades e excelências que a mais esmerada natureza denega às suas criaturas dilectas. Os certos casos em que acima se modifica a generalidade da definição vêm a ser aqueles em que o bom senso não pode atinar com o porquê dalgumas simpatias esquisitas, extravagantes e estúpidas que nos enchem de espanto, quando nos não fazem estoirar de inveja.
E tanto mais se prova a referida depravação do nervo que preside às funções da vista quanto a alma da pessoa enferma, vítima de sua ilusão, nos parece propensa ao belo, talhada para o sublime e opulentada de dons e méritos que o mais digno homem requestaria com orgulho.
Camilo Castelo Branco, in 'Coração, Cabeça e Estômago'

O Amor Como Graduação da Nossa Consciência
Ninguém sente em si o peso do amor que se inspira e não comparte. Nas máximas aflições, nas derradeiras do coração e da vida, é grato sentir-se amado quem já não pode achar no amor diversão das penas, nem soldar o último fio que se está partindo. Orgulho ou insaciabilidade do coração humano, seja o que for, no amor que nos dão é que nós graduamos o que valemos em nossa consciência.
Camilo Castelo Branco